Sou Estagiário e Minha Avó Faleceu, Tenho Direito de Me Ausentar do Trabalho Sem Ser Considerado Falta ao Trabalho?

Ricardo Jorge Russo Junior[1].

Recebemos esta pergunta de uma aluna do 10º período do curso de Direito, da Faculdade de Direito Padre Ancheita – FADIPA de Jundiaí e percebemos o quanto ela e importante e presente no dia a dia dos Estagiários do Brasil, em especial diante deste triste momento pandêmico que se vive.

Tentaremos de forma curta e objetiva responder a esse questionamento, contudo com um breve indicativo teórico e de reflexão, apenas para traçar nossa linha de raciocínio, a fim de que seja possível visualizar o caminho percorrido até a conclusão.

De início vale dizer que Trabalho é um gênero, do qual decorrem diversas espécies de trabalhadores, tais como empregado, aprendiz, estagiário, eventual, autônomo, avulso portuário e não portuário, entre outros. Portanto, o Estagiário é uma espécie de trabalhador, cujo trabalho é regulamentado pela Lei 11.788/2008 e não pela CLT, eis que ela é aplicável especialmente às relações de emprego.

Porém a Lei 11.788/2008 ou Lei do Estágio, não prevê várias situações do dia-a-dia e também, na grande maioria dos casos, não nos aponta qual a legislação que suprirá tais lacunas. Assim o fez apenas em situações pontuais, como no seu artigo 14, quando diz que se aplica ao estagiário a legislação quanto à saúde e segurança no trabalho.  Porém na grande maioria dos casos não aponta qual a legislação que lhe servirá de fonte subsidiária.

Nesse passo, deveremos respeitar os mecanismos comuns e as regras do Direito e, para tanto invoca-se os artigos 4º e 5º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB:

Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 

Art. 5o  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Dessa forma, também se faz necessário saber que o Direito do Trabalho é um ramo especial do Direito, que regulamenta uma das relações mais delicadas de qualquer sociedade mundial.

Veja-se, portanto, quanto à parte final do artigo 4º acima transcrito, a referência aos princípios gerais de Direito. No mesmo tom, é o artigo 5º, quando diz “… atenderá aos fins sociais …”.

Sendo assim, conjugando tudo isso, para suprir a lacuna deixada pelo Legislador ao elaborar a Lei do Estágio, em especial quanto a possibilidade de o estagiário faltar ao trabalho de forma justificada e abonada quando do falecimento de sua avó, será necessário pensarmos de acordo com as especificidades de uma relação de trabalho, de forma que não nos restringiremos ao uso das regras do chamado Direito comum, ante a especialidade do Direito do Trabalho.

Portanto, para responder à pergunta que deu origem a esse pequeno texto, deveremos raciocinar com apoio nos Princípios do Direito do Trabalho, bem como procurando atender aos fins sociais e às especificidades deste ramo jurídico. Isso pelo fato de que se o Estágio se trata de uma relação de trabalho, nada mais razoável que mantê-lo dentro do sistema do Direito do Trabalho.

Sendo assim, se a Lei do Estágio é silente quanto a regulamentação da situação deste caso concreto, deveremos olhar para os princípios, regras e leis do Direito do Trabalho, a fim de encontrarmos uma saída justa e nesse caso, sem qualquer pudor, procurando uma solução que seja benéfica ao trabalhador / estagiário, pois esse é um dos pontos a ser aplicado de plano, o Princípio da Proteção e da Condição Mais Benéfica.

O Direito do Trabalho tem na sua essência ser Protetor, a fim de que se tenha um equilíbrio dos pesos postos na balança desta relação jurídica.

Pronto, já sabemos onde procurar uma saída, que é no Direito do Trabalho e sob qual ponto de partida? O da condição mais benéfica ao trabalhador.

Dentro do Direito do Trabalho deveremos encontrar agora, onde pode estar o melhor regramento para servir de fundamento jurídico / legal que sustentará a nossa conclusão.

Muito bem, qual é a relação de trabalho que tem o maior número de situações regulamentadas em Lei? Talvez a pergunta poderia ser; qual é o tipo de trabalhador que por estar em um alto grau de desequilíbrio na relação jurídica a que participa necessita de maior regulamentação? Claramente e sem sombra de dúvidas é o Empregado, cuja regulamentação se dá, de forma geral, pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.

Pronto, estamos perto do fim, achamos agora o diploma legal que possui uma regulamentação específica ou de uma forma que na subsunção (aplicação do caso concreto à norma) se encaixa perfeitamente.

É, portanto, o inciso I, do artigo 473, da CLT:

Art. 473 – O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:  

I – até 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e previdência social, viva sob sua dependência econômica;  

Note-se que o artigo 473, da CLT, diz expressamente “… sem prejuízo do salário”. Isso tecnicamente se chama Interrupção do Contrato de Trabalho, situações em que não há a prestação de serviços por parte do empregado, porém permanece a obrigação do empregador de lhe pagar salário. Um outro exemplo, para ficar mais fácil a visualização deste instituto do Direito do Trabalho, são as férias.

Que ótimo, então está resolvido? Não, infelizmente não é só isso.

Como fazer então, o tomador dos serviços do estagiário aceitar toda essa construção, a fim de que se aplique o artigo 473, I, da CLT, na relação de Estágio? Vale lembrar o que diz o artigo 5º, da Constituição Federal, em seu inciso II:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

E agora? Se não há Lei que autorize o estagiário se ausentar do trabalho de forma justificada e abonada quando do falecimento de sua avó, pelo texto do inciso II, do artigo 5º, da Constituição Federal o tomador de seus serviços não está obrigado a concordar e se ele faltar, poderá descontar de sua remuneração / bolsa.

De fato, é isso mesmo, ele não está obrigado a concordar!

E é aqui que entra a parte mais importante de toda e qualquer relação humana, independente da área da vida. Empatia e Bom Senso.

Toda essa construção pode ter sido dispensável ou inócua, a depender de haver na relação humana entre as pessoas que compõem a relação jurídica, Empatia e Bom Senso, ou não.

Muitas vezes a mais bela e criativa estratégia jurídica pode ser esmagada de forma brilhante se no primeiro olhar da situação a ser resolvida, as pessoas envolvidas externarem sua Empatia e Bom Senso com relação ao outro. Será mesmo que precisamos ser um dos Países com maior número de processos judiciais do Mundo? E quanto aos processos trabalhistas ocupamos o primeiro lugar.

O antigo Ministério do Trabalho e Emprego, em 2010 elaborou uma Cartilha com as principais perguntas sobre a relação de estágio. Veja-se o que diz o item 50.

  1. As ausências do estagiário podem ser descontadas do valor da bolsa?

Sim. A remuneração da bolsa-estágio pressupõe o cumprimento das atividades previstas no Termo de Compromisso do Estágio.  Ausências eventuais, devidamente justificadas, poderão ser objeto de entendimento entre as partes (poderão ou não gerar desconto). Ausências constantes, no entanto, poderão gerar a iniciativa da parte concedente não apenas de descontar percentuais do valor da bolsa, mas até mesmo de rescindir o contrato.

A recomendação é o uso do entendimento entre as partes!

De há muito falta na sociedade brasileira, seja qual for o nível socioeconômico, preocupação com o próximo, falta um se colocar no lugar do outro e de alguma forma, minimamente tentar entender quais são as angústias e conflitos daquele que está à sua frente.

Portanto, quero ter perdido tempo traçando toda essa linha de raciocínio, ainda que de forma rasa e simples, se for para situações como essa que nos foi colocada ser resolvida pela Empatia e pelo Bom Senso.

Usando duas personagens, o Dr. e o Estagiário, seria mais ou menos assim:

Estagiário: Dr. acabei de receber a notícia que minha avó faleceu. Queria saber se posso ir ao velório e se tenho direito a alguns dias de luto?

Dr. Pensando: Nossa que coisa triste, me lembro o quanto senti a perda da minha avó, ele deve estar bem chateado.

Dr. Respondendo: Claro, está dispensado por hoje e vou verificar junto ao jurídico da empresa ou mesmo à contabilidade quantos dias você tem de licença. Meus sentimentos, fique bem e pode ir ao encontro da sua família.

Podem dizer: “Nossa você acredita em papai Noel não é?” “Até parece que isso vai acontecer um dia” “Nem todos tem uma relação de carinho com sua avó, pode ser o caso do Dr.”

Concordo, mas mesmo no caso de o Dr. não ter tido uma relação de afeto com sua avó, o que é uma exceção, seria empático e de bom senso ele responder ao Estagiário acreditando que todos no mundo todo tiveram a mesma relação que ele teve com sua avó? Não seria uma reação mais humana ele pensar de forma contraria?

É isso, humanizemos os nossos pensamentos quando estivermos diante de uma situação controvertida. Agir assim, com certeza resolveria boa parte das discussões judiciais do País, podem apostar!

Resumindo então, para que o estagiário possa gozar da licença remunerada e abonada quando do falecimento de sua avó, não adianta correr para ler o que diz a Lei do Estágio, a situação deverá ser resolvida em primeiro lugar pela Empatia e Bom Senso e em segundo lugar pelo caminho que tentamos construir no início deste texto.

Torço que o caminho a que tentamos construir não seja usado por ninguém. Torço mesmo para que funcionem muito bem as barreiras da Empatia e do Bom Senso!

[1] Ricardo Jorge Russo Junior, Advogado há treze anos, Mestre pela Faculdade de Educação da Unicamp, Pós Graduado em Direito Desportivo pelo Instituto Ibero-americano de Derecho Desportivo, Pós Graduado em Direito e Processo Civil, Pós Graduado em Direito e Processo do Trabalho, Especialista em Direito do Trabalho Coletivo (Sindical), MBA em Direito Empresarial, foi Auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) da Confederação Brasileira de Atletismo, da Confederação Brasileira de Esportes para Deficientes Visuais, da Federação Paulista de Vôlei, é Defensor Dativo do Tribunal de Justiça Desportiva Antidoping, Coordenador Regional do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/São Paulo e OAB/Campinas, Diretor da Associação dos Advogados Trabalhistas de Campinas (AATC), Diretor do Instituto Nacional de Pesquisa e Promoção de Direitos Humanos – INPPDH, Presidente da Associação Nacional de Proteção ao Direito do Trabalho e ao Trabalhador – APRODT, Professor Universitário, de Cursos Preparatórios para Concurso e Palestrante.