A MEDIDA PROVISÓRIA 873/2019 E SUA INCONSTITUCIONALIDADE
Sexta feira de carnaval, dia 1º de março de 2019 o que boa parte da população brasileira está esperando? O início da maior festa popular do mundo. As pessoas estão se fantasiando, se maquiando, customizando seus abadas, pintando seus cabelos, descolorindo suas barbas, colando suas pedras brilhantes na testa, se reunindo para os famosos “esquenta”, etc.
Mas, em Brasília há uma escola de samba em que os foliões não são como a maioria da população brasileira. A escola é a Unidos Contra os Direitos Trabalhistas, cujo carnavalesco é o Sr. Jair Messias Bolsonaro com o enredo Aniquilando o Direito do Trabalho e a ala agora é a da Medida Provisória.
Muita gente, do mundo jurídico e principalmente os ditos “leigos” não sabem da existência da Medida Provisória 873 de 01 de março de 2019, adotada pelo Sr. Presidente da República, composta de 3 artigos, que alteram cinco artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas e um da Lei 8.112/90, que tratada do regime jurídico dos servidores públicos, no que tange à contribuição sindical.
Vale dizer que o Sr. Jair Messias Bolsonaro não esconde a vontade de extinguir a Justiça do Trabalho e diminuir cada vez mais os direitos do trabalhador brasileiro, de forma que este texto não se reveste de caráter partidário de qualquer lado, apenas um apontamento sobre o que está acontecendo no País quanto ao tema Direitos Trabalhistas.
Importante uma breve, mas bem breve explicação do que é uma Medida Provisória. Sabe-se que o Brasil é dividido em três poderes – Executivo Legislativo e Judiciário. Desta forma, bem superficialmente, é fácil saber que o Executivo tem como função típica e originária administrar toda a máquina estatal, o legislativo crias as leis e o judiciário às aplica aos casos concretos. Porém estes três poderes tem funções atípicas, exercidas em forma de exceção, ou seja, o Executivo pode Legislar e até mesmo julgar determinadas situações, o Legislativo administra seus recursos, por exemplo, e o Judiciário da mesma forma.
Medida Provisória
A Medida Provisória é um ato atípico praticado pelo chefe do Poder Executivo, portanto um ato atípico de legislar, conforme estabelece o artigo 62, da Constituição Federal. A Medida Provisória deve ser utilizada em caso de relevância e urgência, regulamentando determinada situação que justifique sua edição. O parágrafo 3º, do referido dispositivo Constitucional, diz que em 60 dias a MP deve ser convertida em Lei pelo Congresso Nacional, sob pena de perder a vigência. Mais recentemente, podemos lembrar como exemplo, a MP 808/17, que tentou regulamentar algumas situações contidas na Lei 13.467/2017, Lei da Reforma Trabalhista, mas por não ter sido convertida em Lei no prazo Constitucional perdeu a vigência e por óbvio os efeitos.
Pois bem, então eis que surge a Medida Provisória 873/2019, como dito acima, alterando os principais dispositivos da CLT e da Lei 8.112/90, que tratam da Contribuição Sindical, principal fonte de custeio destas entidades. Basicamente ela restringe a obrigatoriedade do pagamento da contribuição devida ao sindicato instituída por meio de assembleia geral de trabalhadores, apenas aos que forem filiados / sócios do sindicato, deixando desobrigados os demais integrantes da respectiva categoria profissional que não forem filiados / sócios do sindicato.
Aqui vale uma indagação: Qual a relevância e urgência quanto ao tema custeio sindical para o Poder Executivo? Quanto o tema tem incomodado o Poder Executivo para a adoção de uma MP? A resposta destas perguntas, esperamos que o leitor possa obter ao final do texto, formando sua convicção.
A MP 873/2019 surge em um momento em que os Sindicatos estão lutando e se desdobrando para encontrar meios legais de se reestruturar financeiramente, após o duro golpe sofrido pela Lei 13.467/2017, Lei da Reforma Trabalhista, que sem qualquer forma ou plano de modulação, cortou toda a fonte de custeio das entidades sindicais, tornando facultativo o pagamento da contribuição sindical pelos trabalhadores do País. Não houve uma redução paulatina, o corte foi “da noite para o dia”, não deixando chances para reorganização, planejamento nem mesmo tempo hábil para que os sindicatos pudessem escolher o melhor caminho a seguir.
A partir da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, promulgada pelo então Presidente Temer, ocorrida em novembro de 2017, as contribuições sindicais de março de 2018, devidas pelos trabalhadores de todo o País, já vigoravam em sua forma facultativa, sendo certo que iriam contribuir apenas aqueles que expressamente concordassem com isso. Antes da Lei da Reforma Trabalhista, todo empregado obrigatoriamente contribuía ao sindicato de sua categoria profissional com o valor equivalente a um dia de salário, sempre no mês de março de cada ano. Essa era a principal fonte de custeio de um sindicato. Há outras, como a assistencial, a negocial, a mensalidade por associação, etc., mas que não são tão consistentes como a sindical.
O sindicato se assemelha a uma associação, são pessoas jurídicas de Direito privado, mas existem especificidades que o caracteriza como um ente diferenciado, como uma entidade política. Não há fins lucrativos, há a representação dos interesses de determinada classe, porém, aqui tem uma grande diferença, não se restringe apenas aos efetivamente associados, as ações e negociações do sindicato beneficiam toda a categoria que ele representa inclusive os trabalhadores que não são sócios. Porém, da mesma forma, toda a categoria deve contribuir com o custeio sindical.
Lei da Reforma Trabalhista
Com o drástico corte financeiro imposto pela Lei da Reforma Trabalhista os sindicatos que ainda permanecem “vivos” buscam meios legais para criar uma nova fonte de custeio e isso, via de regra, em sua maioria, ocorreu por meio da criação da Contribuição Assistencial ou Negocial, há uma pequena variação de nomenclatura, mas a sistemática é a mesma, ou seja, uma contribuição obrigatória, devida por todos participantes da respectiva categoria profissional e que foi aprovada em assembleia geral de trabalhadores.
Agora veja-se as alterações na CLT trazidas pela MP 873/2019, nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 579, inciso III e do artigo 579A :
Art. 579 …
- 1º A autorização prévia do empregado a que se refere o caput deve ser individual, expressa e por escrito, não admitidas a autorização tácita ou a substituição dos requisitos estabelecidos neste artigo para a cobrança por requerimento de oposição.
- 2º É nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade ou a obrigatoriedade de recolhimento a empregados ou empregadores, sem observância do disposto neste artigo, ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia-geral ou outro meio previsto no estatuto da entidade.” (NR)
Art. 579-A. Podem ser exigidas somente dos filiados ao sindicato:
…
III – as demais contribuições sindicais, incluídas aquelas instituídas pelo estatuto do sindicato ou por negociação coletiva.” (NR)
Contudo, o sindicato com amparo Constitucional no artigo 8º, inciso IV e também enquanto uma associação toma suas decisões por meio da Assembleia Geral de Trabalhadores, que é soberana, frise-se desde já.
É importante trazer o texto do artigo 8º, inciso IV, da Constituição Federal:
Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
…
IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; (grifamos)
Muito bem, houve alguma resistência por parte de entidades representantes do capital quanto à criação destas novas formas de custeio, mas que foram rechaçadas de plano tanto pelo extinto Ministério do Trabalho, como por juízes e procuradores do trabalho. Há inúmeros pareceres, decisões judiciais e Notas Ministeriais validando as contribuições criadas por meio de assembleia, cujo fundamento é a Soberania. Veja-se um trecho da Nota Técnica 02/2018/GAB/STR, do Ministério do Trabalho:
“… Nesse sentido em consonância com os mandamentos constitucionais (Art. 8º, III, CF/88), compreende-se que a anuência prévia e expressa da categoria a que se refere os dispositivos que cuidam da contribuição sindical, com o advento da Lei Nº. 13.467, de 13 de julho de 2017, pode ser consumada a partir da vontade da categoria estabelecida em assembleia geral, respeitados os termos estatutários, conforme conjunto argumentativo abaixo.”
…
“14. Ante o exposto, esta Secretaria de Relações de Trabalho compreende que o ordenamento jurídico pátrio, a partir de uma leitura sistemática, permite o entendimento de que, a anuência prévia e expressa da categoria a que se refere os dispositivos que cuidam da contribuição sindical, pode ser consumada a partir da vontade da categoria estabelecida em assembleia geral, com o devido respeito aos termos estatutários.”
Outra importante manifestação sobre o tema foi o Enunciado 38, editado na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados Trabalhista – ANAMATRA:
Enunciado Nº. 38. Contribuição Sindical
I – É LÍCITA A AUTORIZAÇÃO COLETIVA PRÉVIA E EXPRESSA PARA O DESCONTO DAS CONTRIBUIÇÕES SINDICAL E ASSISTENCIAL, MEDIANTE ASSEMBLEIA GERAL, NOS TERMOS DO ESTATUTO, SE OBTIDA MEDIANTE CONVOCAÇÃO DE TODA A CATEGORIA REPRESENTADA ESPECIFICAMENTE PARA ESSE FIM, INDEPENDENTEMENTE DE ASSOCIAÇÃO E SINDICALIZAÇÃO.
II – A DECISÃO DA ASSEMBLEIA GERAL SERÁ OBRIGATÓRIA PARA TODA A CATEGORIA, NO CASO DAS CONVENÇÕES COLETIVAS, OU PARA TODOS OS EMPREGADOS DAS EMPRESAS SIGNATÁRIAS DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO.
III – O PODER DE CONTROLE DO EMPREGADOR SOBRE O DESCONTO DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL É INCOMPATÍVEL COM O CAPUT DO ART. 8º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E COM O ART. 1º DA CONVENÇÃO 98 DA OIT, POR VIOLAR OS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE E DA AUTONOMIA SINDICAL E DA COIBIÇÃO AOS ATOS ANTISSINDICAIS.
Dessa forma, a MP 873/2019 não atinge apenas aos Sindicatos, de forma reflexa é uma resposta aos Juízes e Procuradores do Trabalho que entenderam pela soberania das assembleias sindicais e, portanto, pela validade da criação de uma nova contribuição obrigatória.
Está claro o caráter de Ato Antissindical da MP. Está claro o espírito de revide da MP. Está clara a intensão de se mostrar quem é que pode mais. Está clara a vontade de se mitigar as ações do sindicato. Está clara a declaração de guerra contra os Direitos Trabalhistas. Está clara a vontade de se individualizar as relações de trabalho, para enfraquecer o poder dos trabalhadores. E está clara a inconstitucionalidade desta MP.
Vale dizer, a relação de trabalho individualizada perde força, se torna desorganizada, com isso o poder de negociação e de reivindicações são minimizados e praticamente aniquilados.
No nosso sentir a escola de samba Unidos Contra os Direitos Trabalhistas, perdeu ponto no quesito Constitucionalidade no enredo da Medida Provisória.
Por qual razão?
Também de forma bem branda, sabe-se que o ordenamento jurídico brasileiro possui uma hierarquia de normas, sendo certo que a Constituição Federal é a mais alta delas, de forma que as Leis Ordinárias, Leis Complementares, Leis Delgadas, Decretos, Medidas Provisórias e demais Normas, devem respeitar os parâmetros trazidos pelas pela Carta Magna, como condição formal de validade.
Dessa forma a Medida Provisória 873/2019 é inconstitucional, pois afronta in totum, o inciso IV, do artigo 8º, da Constituição Federal, ao tentar restringir a abrangência da obrigatoriedade da contribuição devida ao sindicato criada e aprovada em assembleia geral de trabalhadores, apenas aos associados ao sindicato.
Veja-se que o inciso IV, do artigo 8º, da Constituição Federal é claro em dizer “categoria profissional”, não havendo qualquer restrição, ou mesmo condição quanto à obrigatoriedade de custeio ser direcionada apenas e exclusivamente aos trabalhadores filiados / sócios do sindicato.
Veja-se, ainda, a parte final, “independente de contribuição prevista em lei”. Portanto, essa parte final rechaça de uma vez por todas qualquer discussão sobre a legalidade da criação de contribuição de custeio ao sindicato por meio de assembleia geral de trabalhadores, bem como quanto sua abrangência a toda categoria profissional.
Não pode o texto infraconstitucional, inclusive por via de exceção, como é a MP 873/2019, ser posta de forma contraria ao que prevê a Constituição Federal, sob pena de se caracterizar Inconstitucional, como é o caso.
Desta feita, não há que se ter medo do texto e da intensão da MP ora em apreço, pois se reveste de total inconstitucionalidade quando busca restringir a obrigatoriedade do custeio do sindicato apenas aos sócios, associados e ou filiados, de forma que não pode produzir efeitos e também não poderá se converter em Lei, como diz o parágrafo terceiro, do artigo 62, da Constituição Federal.
Aguardemos as próximas tentativas de ataques aos Direitos Trabalhistas, sempre de forma atenta e crítica.
Campinas, carnaval de 2019.
Ricardo Russo.
Advogado e Professor.